terça-feira, 31 de agosto de 2010

A anti-Transit [Hélio Rodrigues]

Encontrei este texto muito interessante da autoria do Hélio Rodrigues no blog AutoanDrive.



Bedford CF1/CF2 (1969 -1987)
A anti-Transit

"No ano em que a Ford Transit comemora o seu 45º aniversário, porque não fazer uma viagem a bordo do seu arqui-rival de sempre – e que ainda hoje é um dos veículos mais procurados, para lazer e caravanismo? Senhoras e senhores, divirta-se numa “trip” quase psicadélica ao Alentejo litoral profundo, nos anos 70, numa Bedford CF branca: a anti-Transit!"



"Agosto de 1974. O primeiro “Verão quente” após o golpe de Estado do 25 de Abril. Euforia, irresponsabilidade, o regresso dos vagos ideais do “Make Love, Not War” – um pouco atrasados, mas isto sempre foi algo natural no nosso Portugal. Ainda hoje…
Uma Bedford CF a 140 km/h, na planície alentejana – nessa altura, era planície e era, ainda, alentejana. O rádio troava uma música qualquer – nessa altura, ou eram os ABBA, ou, mais apropriadamente, o Fausto ou a Ermelinda Duarte a atroar o “Somos Livres”. Já que, para quem não se recorda, o fado começou então a ser considerado obra do regime e os cantores que existiam foram obrigados, à força das G3 e dos encapuzados que dominavam a vida pública nacional, a fecharem-se numa concha durante alguns anos.


Bom, mas afastando este triste reavivar de memórias (convenientemente…) esquecidas, temos então uma CF a 140 à hora em pleno Alentejo, com o condutor a mamar uma Sagres e a morfar uma sandocha de frango assado, sempre a fundo e com a música aos gritos e os passageiros aos gritos também e a bater palmas desalmadas. Calor de chumbo, rectas infinitas, sobreiros e, cada vez mais, as dunas.
Os passageiros? Dois casais, um filho e eu.
Os casais: ele, na casa dos trinta e poucos, calvo precoce, físico de cegonha, magro que nem um galgo; ela, loira Marilyn, físico de miss campestre, dentes saídos. Do outro casal, apenas me recordo que ela era um espeto andante e que passaram os dias seguintes (e noites) perdidos nas dunas.
O primeiro casal era o dono da CF e era quem tinha o filho: oito ou dez anos, presumo que mimadamente único. E eu: 14 anos, esqueleto ambulante, pele branco marfinada – e olhos esbugalhados e sem óculos, pois era a primeira vez que seguia a 140 à hora, numa Bedford CF. Mas não foi a única, embora estas sejam outras histórias.


Destino: Vila Nova de Milfontes. A pura: nada da aberração turística que hoje é. Um exemplo: as dunas eram brancas, tinham cardos duros e secos aqui e ali; desapareciam junto à água do mar, transformadas em faixa de areia dourada. Não existiam barracas, não existia sequer a ponte. Água potável e pão, tínhamos que os ir buscar, manhã cedo, ao Cercal. Foram duas semanas inesquecíveis, a dormir dentro da CF – o condutor estirado nos bancos da frente, cá atrás a Miss Marilyn, o filho e eu. O outro casal, só o voltávamos a ver com o nascer do sol.
Praia, muita praia. Sol quente e limpo, sem os tais raios UV e afins, desta época moderna. Nalgumas tardes, pesca à cana nas rochas que entravam mar adentro, ao fundo da praia. À noite, guitarras à volta da fogueira, na praia. Ninguém a aparecer de repente e a atirar a luz da lanterna aos olhos e a berrar que aquilo era proibido. Ou a falar num imposto qualquer nunca antes falado… Velhos tempos: de romantismo, de poesia, de liberdade. Como já não existe hoje.
Contudo, é preciso não esquecer que o herói desta história não são os passageiros, mas a Bedford CF – a anti-Transit. Vamos lá a isso."


Bem sucedida
"A Bedford CF, nas suas duas declinações (CF1 e CF2), bem como nas mais diversas versões (CF220, CF230, CF250, CF 280 e CF 350 – significando tanto o tamanho do motor, como do chassis ou, então, a capacidade da cabina de passageiros…), foi uma aposta bem sucedida da construtora britânica anexada à GM.
Os seus argumentos eram simples: fiabilidade, versatilidade, robustez e… simpatia. Isso mesmo: simpatia! Desde que foi apresentada, em Novembro de 1969, a Bedford CF cativou miúdos e graúdos. É bom lembrar que, então, o movimento “beat” estava no auge e, em conjunto com a VW Type 1 e Type 2, a CF cedo cimentou o seu lugar no mundo caótico de uma juventude apaziguadora das guerras então latentes por todo o lado e desejosa de aventura. Era a era do “Make Love, Not War” – ainda no rescaldo da contestação à Guerra do Vietname.


Porém, não foi apenas isso que selou o destino bem sucedido da Bedford CF: a sua capacidade de adaptação a qualquer tipo de trabalho, por mais colossal que fosse, não deixou indiferentes as forças laborais – desde logo assumindo uma rivalidade, nem sempre sã, com a então veterana Ford Transit. Ainda hoje, os clubes de um e de outro lado não morrem propriamente de amores uns pelos outros…
No início, a Bedford CF tinha apenas duas medidas de chassis – e motorizações a condizer. Ou seja, os modelos mais pequenos e leves, tinham um motor a gasolina de 1.599cc e um Diesel de 1.760cc; os maiores, de 1.975cc e 2.523cc. Os motores Diesel eram oriundos do universo Perkins. Em 1972, os motores a gasolina cresceram para os 1.759cc e 2.279cc, através do aumento do curso dos cilindros e apareceu uma versão chassis-cabina longa. A partir de 1975, todas as Bedford CF passaram a ser consideradas, na Inglaterra, como veículos pesados, por ultrapassarem as 2,2 toneladas! Nessa altura, um chassis extra-longo foi construído, com rodado duplo atrás e apenas disponível com o motor a gasolina de 2,3 litros. Os motores Perkins foram substituídos em 1977 por um motor da GM, com 2.064cc.

A principal alteração sofrida pela CF aconteceu em 1980, quando recebeu um “facelift” profundo, que a fez perder algum do seu encanto algo romântico dos primeiros anos. A grelha dianteira metálica, pintada à cor da carroçaria ou, então, de preto, desapareceu, dando lugar a uma grelha de plástico, sinal dos tempos que então corriam. Então, reformularam-se as designações das versões, significando isso o final da anterior CF220 e passando a existir apenas as CF230, CF250, CF280 e CF350, indicativos do peso bruto do modelo. Os motores sofreram também alterações – a versão mais fraca tinha o motor a gasolina de 1.759cc e os restantes, ou o motor a gasolina de 2.279cc ou, em alternativa, o motor Diesel anterior, mas com a cilindrada “revista” para os 2.260cc. Muitos donos da CF passaram a chamar a esta versão revista da CF original CF2, mas isso não é verdade. Foi preciso esperar mais quatro anos, para esta versão aparecer."
 


Vida para lá da morte
"Portanto, em 1984, a Bedford CF1 passou a estar acompanhada pela CF2, mais moderna tecnicamente, embora a carroçaria fosse muito semelhante à CF1 após o “restyling” sofrido em 1980. Este furgão tinha apenas um motor a gasolina, de 1979cc. Nessa altura, a CF passou a dispor de travões de disco e apareceu uma versão Ferguson 4WD, baseada no modelo 350. Uma CF eléctrica foi entretanto desenvolvida em colaboração com a Lucas.
A Bedford CF1/CF2 deixou de se fabricar em Julho de 1987, entrando directamente na História – onde ainda hoje se mantém, apesar de pouco conhecida dos mais distraídos nestas coisas dos carros da nossa vida… anterior. Então, a CF estava disponível com um motor GM de 2.0 a gasolina (78 cv), ou então com um motor GM 2.3 Diesel (61 cv), ligados a uma caixa ZF manual de cinco velocidades – ou, em alternativa, uma caixa automática GM de três relações.

Curiosamente, apesar de não ter conhecido desenvolvimentos a partir de 1988, a Bedford CF continua a ser amplamente utilizada, em especial em Inglaterra, em quase todas as suas versões clássicas. Um bom exemplo dessa longevidade está no Museu Militar inglês, que possui uma grande frota de CF e até mesmo nos Correios, que continuam a usar no seu trabalho diário de distribuição esta fiável furgoneta. Mas a faceta mais folclórica estará, sem dúvida, nas populares e coloridas carrinhas de venda de gelados, muitas das quais não passam de Bedford CF… disfarçadas!"



Link: http://autoandrive.com/2010/06/05/bedford-cf1cf2-1969-1987/

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